Desalinhos

Desalinhado anda o mundo, desalinhados andámos nós nos últimos meses, no último ano. Por estas bandas, os astros resolveram alinhar-se numa estranha conjugação geométrica, acordando os espíritos maus, os seres do submundo, lembrando-nos que o desalinho aparece do nada, amiúde ressurge sem avisar. Mãos sábias vieram em ajuda, alinharam os míseros vermes no caminho da cova de onde nunca deviam ter saído, arrastando pela mão velhos e desalinhados provérbios sobre ventos e casamentos.

Por estes dias, amigos caminham, abençoados pelas nuvens, pelas sombras, debaixo do céu azul, do sol, alinhados à estrela de Santiago, na busca do seu rumo, da paz. Fazem bem, estamos precisados de paz, de alinhamento na fraternidade, na comunhão, na compaixão, naquilo que afinal nos une, longe de tudo o que insiste em nos desunir, em nos desalinhar.

Aproveitamos o quente verão, com desalinhadas temperaturas para estas latitudes, para encontrarmos o fio de prumo das nossas vidas. Endiabrados cristais insistem em lembrar-nos que nunca estamos totalmente em linha, que existem sempre desvios, vertigens que precisam de hábeis mãos de mágico para serem manobradas, para voltarem às suas grutas, ao seu berço. 

Os dentes surgem, ainda algo desalinhados, no esplendoroso sorriso de criança que preenche o lugar que voltou a ser casa, num alinhamento perfeito nascido em desalinho. Noites sem linha contínua, despertam os bons espíritos que sorriem maravilhados com a alegria da criança que por ali brinca, com os brancos muros que alinhados embalam o lugar, com os grelhados, cozidos e salgados, com os pratos alinhados na bonita mesa, com os doces de divinas linhagens. 

Para a criança não há desalinho, porque tudo em sua volta se alinha no futuro, porque segura em suas mãos as pontas mais tenras de várias linhas que a unem a bons lugares. Somos nós, longe da inocente infância, que procuramos alinhamento, sabendo que o caminho sempre será uma sucessão de desalinhos que nos confrontam, unidos por finas linhas que dão razão ao existir.


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