Família

Depois de quatro adiamentos, depois de devidamente purificados, certificados e revalidados, finalmente voamos para norte, para um pouco mais além do que na última travessia. Desembarcamos numa estranha bolha de normalidade; precisamos de algum tempo para nos habituar a esta realidade, ao quase apagar dos últimos tempos. Estranhamos os rostos descobertos que se cruzam com os nossos, as múltiplas raças, a chuva miudinha, o início do frio, a felicidade que sentimos, o terno acolhimento com que somos recebidos. A nossa prole alarga-se, ganhamos novas línguas, novos rostos, espaços lindíssimos que dizem ser nossos, que sentimos como nossos, apesar de os estarmos a pisar pela primeira vez. Somos carinhosamente recebidos por quem já sentíamos pertencer, mas com quem ainda não tínhamos partilhado um abraço, um olhar, um cúmplice sorriso, uma refeição, o comum cuidado com que o essencial não se perca na tradução. Não sonhámos aqui chegar, mas sentimos que é precisamente o que queríamos; não planeámos, mas aqui estamos. Acontece e nada mais é preciso. Os laços estão unidos e sentimos que assim permanecerão. A chuva e o sol revezam-se, lembram-nos que o Outono já chegou mas que o Verão ainda não completamente se deitou. Seguimos o caminho por eles traçado, por uns dias habitamos os seus espaços, os seus hábitos, as ruas, os sabores, as gentes. O céu chora na hora do regresso; ficam no cais desta despedida e nós partimos na promessa dum encontro, um pouco mais adiante, no próximo Natal.

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