A ausência dum sonho

O comandante continua atordoado, como todos estarão, se forem sinceros. Foram demasiados meses numa cena que agora temos dificuldade em acreditar, em visualizar, em assimilar. O que se passou? Que parte deste filme é baseado em factos reais, que cenas são pura ficção? Sente-se num lento e progressivo acordar dum sono que não se lembra ter dormido, dum tempo que não sabe se já terá passado, dum estranho acontecimento que já terá acontecido, mas que ainda paira sobre nós. Quais as cenas dos próximos capítulos? Como esquecer tudo e voltar a viver como se nada se tivesse passado, como se nada se esteja a passar? Afinal em que etapa do voo nos encontramos? Ainda em velocidade de cruzeiro, fechados num casulo, ou em plena descida para um suave aterrar? O comandante tem esperança que não seja uma descida a pique, um novo embate no chão. Tem dúvidas o comandante, e todos as terão também. A aparência de normalidade torna tudo ainda mais confuso, mais absurdo. Não é o presente que é absurdo, porque esse é presente, mas o presente comparado com a recordação viva desses tempos. Tudo isto foi realmente preciso? Absurdo será ignorar o acontecido e seguir em frente sem nada mudar. Regressado à nave obreira, encontra ainda o vazio, a ausência de muitos, mas também os sorrisos e os abraços dos poucos com quem novamente se cruza, com quem volta a partilhar o mesmo espaço. Encontra os mesmos objectos, nos mesmos lugares, os mesmos percursos, cheiros e rotinas. A ausência terá sido realmente de meses ou afinal tudo não passou dum sonho mau e ontem esteve ali? Esse é o absurdo,  a rotina segue o seu rumo como se nada se tivesse passado.

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