Círculo

Faz um ano que este homem está em círculo: levanta-se, arranja-se, toma o pequeno almoço - um sumo de laranja, uma torrada com pouca manteiga, um café -, e sai. No seu transportador individual dá uma volta em torno das naves vizinhas, o maior trajecto que consegue desenhar sem sair da zona permitida. Volta a estacionar e sobe para o seu improvisado escritório, senta-se em frente ao postigo, atende os seus clientes, almoça algo ligeiro, olha por uns minutos o horizonte, o ponto azul lá longe, volta para o seu posto. Quando são horas, fecha o postigo, desce ao porão inferior, arranca no seu transportador individual, percorre um circuito em torno da fronteira exterior, tendo o cuidado de o fazer exactamente no sentido contrário ao matinal, aproximando-se mas nunca violando a inexistente linha vermelha que divide o permitido do interdito. Arruma o transportador no porão, sobe, veste o pijama, janta, ouvindo as notícias, o número de mortes e feridos, as malditas curvas. Uma notícia tira-lhe os olhos do prato, obriga-o a mirar o pequeno televisor montado no canto da copa, junto ao tecto, molda-lhe o sonho dessa noite: a agência espacial europeia procura dois astronautas, alguém para viajar no espaço profundo, afastar-se definitivamente do ponto azul, da origem; para bem longe disto tudo. As semi-rectas têm um ponto inicial, pensa ele, ao qual nunca voltam. A que vive nos seus sonhos, nasce na nave e estende-se até ao infinito, quiçá até mais além, muito para lá do sonho. #VaiFicarTudoBem 

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