Recolhimento 2

O relatório diário do posto de comando dá esperança, mas a vida na nave nunca me pareceu mais fastidiosa que por estes dias. Recebo ecos iguais dos habitantes de naves amigas. Todos clamam a uma só voz: está difícil. Tem sido assim e assim será por mais algum tempo, não sabemos quanto. A curva dos que foram apanhados está a descer, mas a daqueles que têm tido o azar de precisar das lotadas naves sanitárias, essa é teimosa, não dá o braço a torcer. Existem naves a chegar a Marte. A primeira missão interplanetária árabe, uma sonda para avaliar o planeta vermelho. Logo atrás segue uma nave chinesa e logo depois mais uma norte americana. Lá, por ora, estamos em igualdade de circunstâncias, não há ninguém, rico ou pobre, o vírus não sobrevive, precisará também de se adaptar, de usar escafandro, de sorver oxigénio por um tubinho. Ai, como nós, estará tramado. O recolhimento forçado só deverá acabar depois da Páscoa e mesmo assim sem que todas as naves possam voltar à Terra por essa altura. Passo os dias em frente do postigo electrónico, com poucas pausas, com pouco tempo para pensar nisto tudo. É só uma cansativa forma de abstração da realidade que nos cerca. Escrevo de manhã, uns minutos ao almoço e antes que os olhos cedam ao fim do dia. Tenho uma enorme vontade de escrever mas a cabeça ocupada com mil e uma merdas não se permite a esse prazer. Desta feita o recolhimento não me tem inspirado, as palavras não têm o mesmo significado, repetem-se como os dias, como as horas. #VaiFicarTudoBem

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