Difuso

O tempo está difuso, ouvi na rádio. Para mim sempre o foi mas admito que nos últimos meses o fenómeno se tenha agravado. Passámos serenamente para 2021 para logo nos voltámos a perder no espaço imenso que nos cerca desde que partimos para órbita, vai fazer um ano. Difuso é realmente o melhor adjectivo para descrever a dificuldade que sentimos em localizar no tempo momentos que passaram por nós. Foi algures, mais ou menos a alguns meses, talvez faça um ano, talvez dois. A certeza temporal esfumou-se um pouco mais. Nunca a tive como boa mas agora ainda menos a tenho em conta. Coisas que admitia, que jurava a pés juntos, terem acontecido faz dois anos, afinal aconteceram no início de 2020, no início dum ano múltiplo, que valeu por dois ou mesmo três, quem sabe.  Porquê jurar a pés juntos, não basta jurar sem mais quês nem porquês? Que coisa é esta dos pés juntos? Talvez porque ficamos numa posição instável, difusa, frágil; mais se experimentarmos fechar os olhos, sentir a nossa mente a vaguear na escuridão, o nosso corpo entregue à vertigem. A net afirma que a expressão “jurar de pés juntos” tem origem nas torturas da Inquisição, esse podre que ainda hoje molda todos nós, que nos leva a acreditar que Deus castiga senão nos portámos bem; que existe um dia do juízo final em que seremos abençoados ou severamente castigados. Será que nesse momento descontam as torturas infringidas, os anos que não o foram, a confusão difusa em que vivemos? O problema é que a memória nos atraiçoa, para o bem e para o mal, é um ser difuso, com muito nevoeiro à mistura dificultando um balanço correcto do deve e do haver. Oiço os ruídos da nave a acordar, o ronronar dos motores, agora um pouco mais fortes para conseguirem vencer o frio. Continuamos em espera. Dizem que mais difuso irá ficar, para só depois ficar tudo bem. #VaiFicarTudoBem.

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