Trinta anos

De uma coisa tenho a certeza absoluta: não sei como aqui cheguei. Trinta anos depois, sentados em torno duma deliciosa refeição, delicio-me com o estar, com o seu sorriso, com a gargalhada, com o meu espanto, com o encanto de tudo isto. Algo fiz, algo fizemos, na certeza que este caminho começou a dois, que só assim faz sentido, que só assim acontece. O que fizemos, não sei precisar. Talvez o muito que não fizemos, o muito que deixámos fluir entre margens, os bons ventos que a fortuna soprou, a ausência de deslumbre, o constante espanto nas nuances, nos brilhos, nos momentos, no acreditar. Está um homem, bonito, livre, percorrendo o seu caminho, partilhado com quem o faz sorrir e acreditando que um novo rio nasceu, com águas translúcidas, libertas, belas. Revejo-me neles, no tempo que já foi nosso, que agora é deles. Não sei como aqui cheguei; é o que menos importa. Fundamental é o sorriso, a emoção que sinto, o espanto que continua em mim, a inocência que persiste em ser minha fiel companheira. Ainda ontem estávamos no autocarro a caminho de Santa Maria, ela com ele barriga, eu sem perceber metade do que se passava. Hoje aqui estamos, em volta duma mesa, partilhando, continuando espantado, sem realizar como aqui chegámos.

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