Atravessou-se

Hoje li que ela atravessou-se nas nossas vidas, impedindo o avanço, restringindo os movimentos. Estes são cada vez mais livres e amplos, mas ainda receosos, modestos, limitados. Pousámos a nave faz um par de meses, talvez três, já não sei. Pairámos mais de dois meses para depois cairmos na terra abruptamente, sem entendermos completamente o que nos está a acontecer, para onde vamos ou como nos comportar. O Posto de Comando diz-nos que temos de viver com ela, paredes meias, respeitar a distância, não a procurar, muito menos tocar-lhe, evitar estarmos próximos de quem a possa carregar ou tenha a sua simpatia. Dizem que não iremos regressar a órbita, que a vida é para ser vivida com os pés assentes no chão terreno. No passadiço traseiro, virado a sul, sinto o Outono a instalar-se, pressinto o lento adormecer do Verão, asseguro a prontidão da nave. Num repente, atordoados, atravessámos a mais estranha Primavera, o Verão mais singular. O que esperar desta nova estação e do Inverno que depois virá? A vida continua, estranha, mas continua. 

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