Covid dia 54

E o menino não mais se queixou da falta de acontecimentos históricos na sua vida. Este era bastante para encher a sua e a de muitos milhões de outros meninos. Agora gosta de repartir o livro de histórias com os outros, de os deixar brincar com os grandes acontecimentos da sua vida. Repartir talvez seja a melhor forma de dividir o mal pelas aldeias, de suportar tal acontecimento. Um acontecimento em grande, gigantesco, à escala global, provocado por um ser infinitamente pequeno, invisível à vista desarmada, mas que está lá, qual fantasma debaixo da cama, ao fundo do corredor, logo antes da porta da casa de banho. Um ser que vive na matéria negra, que ninguém deixa intocado, sem mácula. Como é possível? Um acontecimento que inquieta todas as almas por igual, ricos e pobres, do norte ao sul, do este (onde começou) , ao oeste (onde insistem em negar a sua existência). Todos, milhares de milhões, sem excepção, mesmo que o ignorem, mesmo que proclamem que não é nada com eles. Uma borboleta bateu asas em Wuham, no meio da China, e causou uma tempestade do outro lado do mundo, arrastou tudo em seu redor, colocou todos em suspenso, obrigou a que todos os meninos recolhessem às suas naves, que estas ficassem a pairar, em órbitas distantes, isoladas. Um destino improvável, comum, vivido em separado, de igual modo por todos.
Nunca antes tal tinha acontecido; nunca antes tal tinha sido imaginado. Mas mesmo num acontecimento desta dimensão não seremos todos iguais, uns serão mais iguais que outros, o sofrimento não será repartido de forma igual, a história não será igual para todos. #EuQueroVoltar #VaiFicarTudoBem

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