Montanhas submersas

Voltámos. Recebe-nos, igual a si mesma, renovada, com vestimentas novas; não conseguimos decidir se mais bonita, se, simplesmente, tão bonita quanto antes. Ficamos com a sensação de termos chegado cedo demais; não estará ainda pronta para nos receber de novo. Pede-nos que voltemos mais tarde; existem muitos alinhavos que ainda não teve tempo de rematar.
O comboio por nós aguarda. Sem pressas partimos. Vai devagar, subindo lentamente, parando onde precisa parar. Escalamos, interior adentro; percebemos, pela primeira vez, as montanhas, a beleza da altitude, o vislumbre do gelo, da neve, a água omnipresente, ora calma, ora furiosa. Avisam-nos que teremos de parar a meio caminho: falta energia para alimentar a máquina. Nada melhor! Uma paragem de hora e meia para desentorpecer as pernas e expor o corpo ao sol e ao fresco da montanha. Um presente inesperado, maravilhoso. Ao chegar, chove, sentimos o fresco do norte. Num restaurante improvável, jantamos bacalhau e salmão; um petisco. Manhã seguinte, chove mais, sentimos a incerteza do tempo por estas bandas. Depois de mais uma caneca de café, compramos um guarda para a chuva e saímos procurando um primeiro abrigo. Ao fim de dois museus, os céus têm pena de nós e dão-nos umas horas de descanso; a exacta medida para uma ida ao topo da cidade e a um passeio pelo porto.
Manhã seguinte somos abençoados; vamos ver a Igreja e acender uma vela; ficamos a assistir, em paz, à missa, com baptizado pelo meio e trajes a rigor. Missa na língua destas gentes e na de Shakespeare, por uma mulher padre. No meio, ainda, uma pequena leitura em espanhol. Espelha bem o que é esta terra. No final oferecem-nos uma caneca de café, numa pequena sala junto do altar, e dois dedos de conversa com um simpático jovem casal. Saímos de alma renovada. Ao final do dia embarcamos; a noite será embalada pelas águas. Acordamos amíude, estranhamos a cama, o espaço, os ruídos. Despertamos amariados, tontos pelo balançar, encantados com a paisagem, com o lento aportar. Aqui está frio para quem, como nós, está habituado a outras latitudes. Percorremos as ruas procurando orientação; paramos no museu da pesca. Encontramos referências nossas, origens de nossos costumes, peixe seco em sal como bem conhecemos desde sempre. As horas esticam deliciosamente; sentimos a desorientação do excesso de tempo; jantamos e deitamos-nos cedo.
O sol nasce, a chuva abrandou mas persiste. Em quatro rodas percorremos as terras em torno dos calmos rios, das quedas de água, dos lagos negros, cavados pelo degelo no fundo de altas escarpas. Lá em cima vemos a neve que persiste. Atravessamos dumas margens para as outras em suaves ferries que ligam pequenas terras, perdidas no nada, rodeadas de paisagens lindíssimas. Como ignorantes citadinos, questionamos-nos como se pode viver ali um ano inteiro, uma vida. Certamente com muita calma, com iguais apreensões, com outros cuidados mas vive-se.
Como crianças, assistimos ao alimentar de grandes peixes, focas, pinguins e lontras. Ficamos a conhecer casas, barcos e costumes destas boas gentes.
Num rápido voo regressamos a ela. Vamos ao encontro de recantos desconhecidos, antigos bairros, igrejas de pedra antiga, renovados mercados, edifícios do presente e do futuro, uma piscina em pleno lago com nadadores salvadores e tudo o resto.
Regressamos a casa pensando nestes dias, na paz que existe nestas terras, na água, nas montanhas. Um dia voltaremos.

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