Magia ao luar

Ensonados, partimos. Sobre as asas recuperamos algum do perdido sono, enganamos a manhã que desperta. O dia passa a ser dois, o caminho um único. Chegados, duvidamos do norte, sentimos o morno dos trópicos, o corpo pesa, julgamos estar em outras paragens, custa avançar. Só o encanto nos impulsiona, só ele nos anima. Seguimos a seis, numa barca de sete, por desconhecidos caminhos. Feito o reconhecimento, procuramos o rio, tornamos nosso o alojamento, preparamos um primeiro repasto. As baleotes esperam por nós no charco; chapinham, quais paquidermes, com as suas criaturas em redor, agitando-se; devidamente protegidos resolvemos as enfrentar. A onze jogamos quando a noite cai, enquanto a sueca não vem, até que o sono nos ganhe de mão. A noite é uma bênção para os corpos, um essencial restabelecimento dos níveis, o repor de todos os sistemas. A manhã nublada repõe a ordem no mundo, arrefece-nos os corpos, prepara-nos para Reis e Princesas. No palácio somos recebidos; juntamos-nos à mole de gentes da plebe; as escadas, aposentos, torres e telhados percorremos, atentos a todos os ângulos e paisagens, sem que da corte alguém se digne nos acompanhar. A fotógrafa da comitiva real segue os nossos passos, capta as memórias, digitaliza as emoções, para mais tarde recordarmos as itinerâncias da corte. Electrificados atravessamos os jardins, ladeados por nobres ciclistas, procuramos o fresco. Regressamos ao acampamento base; repomos as baterias, os nutrientes básicos. De cartas enchemos a bancada da cozinha (lá fora está demasiado fresco para adivinhar o futuro) até que os corpos de novo adormeçam. Uma nova alvorada; os deuses limparam o céu; o rio é nosso guia, até ao próximo castelo. Leonardo não está mas deixou o seu génio para nosso deleite, as suas obras para nosso espanto despertar, os seus aposentos e jardins para nos maravilhar. Sentados no parque, o atum sabe a manjar real, os bolinhos embalados são deglutidos como se da mais fina pastelaria conventual se tratasse, o garrafão transforma-se na caixa dos tesouros do reino. Na volta, compramos biscoitos e licores, as donzelas perdem-se no supercastelo, reabastecendo o acampamento base com tudo a que temos direito. Os néctares da região preparam o sono; os pés gelam ao fresco da noite; de mão nos afundamos todos até que a barca de Morfeu nos levar.
A manhã suavemente desperta; com vagar desenrolamos os corpos, damos tempo ao tempo, sentimos a paz, limpamos a mente, acalmamos o espírito. Não nos podemos distrair: os valetes e as damas esperam-nos, não toleram atrasos. Tentamos com paus combater as espadas, ganhar os préstimos dos reis. Encontramos Luísa de luto vestido, no palácio sobre as águas que a Catarina pertenceu, que Diana cobiçou. Uma vez mais sentimos falta do abanico, duma brisa, algum fresco, por muito labiríntico seja. O queijo de cabra, de mel guarnecido, sorrisos arrancou, o palato encantou. Mesdames et Messieurs, bon soir: é o apelo ao silêncio, à visão multidimensional, ao recuar a outras eras. Na noite, num lapso de tempo, somos extraídos ao presente, levitamos sobre a história da corte, sobre alianças e traições, amores e desamores, nados e mortos, tragédias e festas; voltamos a ser crianças, sorrimos. No final, a moeda do reino não nos queriam dar; reforços vieram para nos ajudar. Batalha ganha, seguimos em frente.
Um novo e fresco acordar, um imenso parque espera-nos para nosso deleite. Protegidos pelos canídeos enfrentamos mais uma jornada, um novo palácio percorremos, um picnic degustamos. Velozes percorremos a floresta e os canais; de pó branco nos enchemos, com a estranha sensação de estarmos a ser enganados. Limpando o engano, de ar quente enchemos o espanto; de baixo vimos os enormes balões a partir, a cruzar os céus, rumo ao infinito e mais além. Sobre as estrelas comemos. Para quem não come porco, as febras estavam deliciosas; para quem não come alface, a salada estava soberba.
De novo na estrada, um novo acampamento nos espera. Suspeitas paragens fazemos ao longo do vale, junto de cavernas paramos, encontramos estranhos fungos, trocando hifas, multiplicando-se. Novos seres de estranhas formas, fabulosas cores e diferentes tamanhos, surgem do mofo. Alucinogénios não havia, venenosos alguns certamente, mas só um provou da sopa, a um só as simpáticas trogloditas agravaram o mal que já dantes padecia. Em dois chalés agora ficamos, antecipando a partida, a inadiável bifurcação. Adiante o caminho voltará a ser um só. Afinal
não era um fim, não queríamos que assim fosse. Na carroça real avançamos, com o novo cavaleiro a segurar as rédeas, mais uma vila, com esbelta catedral, conquistamos. No morno da noite, devidamente servidos, jantamos, uma vez mais, juntos, rimos e sorrimos em conjunto, sentimos-nos abençoados. Quando um dia dá lugar a outro, reconhecendo o novo dia, festejamos. Presenteamos o nobre cavaleiro, que as velas apaga; com champanhe brindamos, o bolo repartimos. Por artes mágicas mais um príncipe se junta a nós, o longe passa a ser aqui. Estamos todos e isso é o mais importante.
Com beijos e doces abraços dizemos até já. Condignamente alados, com um pequeno nó na garganta, partimos. Uma vez mais a magia aconteceu, a amizade conquistou o luar.

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