Suspenso

Existem dias assim, dias em a vida se resume a um enorme instante: tempo em que a vida continua à nossa volta mas nós estamos suspensos naquele momento, suspenso por finos fios, suspensos nas mãos de mágicos, na mão dum qualquer Deus. Tudo o resto desaparece, perde significado, importância; somente somos nós e aqueles que amamos. Suspensos, frios, basta-nos a mão que nos acaricia a cara, saber que está ali, que aquele calor existe. Somente nós, a mão quente, o frio no corpo, os ruídos em volta, suspensos. Somos puxados para o vazio, em queda livre, num misto dum doce adormecer com o pânico de não voltarmos à superfície. Sentimos uma estranha calma, como simplesmente estivéssemos a adormecer.Tomamos consciência do que afinal não queremos saber: somos o esquecimento do que somos; uns débeis trapezistas atravessando um fino cabo, da nascença até encontrar um ponto de não retorno. Quando tropeçamos, sentimos a iminência do abismo, o calor daqueles que, mesmo longe, presentem a nossa queda , se aproximam, e nos lançam a sua mão quente. Sabemos quem são, o seu calor dá-nos esperança, diz-nos que em breve voltaremos a estar em pé no trapézio, esquecidos da nossa indelével fragilidade. À nossa volta, os mágicos examinam os sinais nos fios que lançaram para nos salvar. Puxam um, aliviam outro, procuram restabelecer o equilíbrio. Em breve voltamos a ser quem somos.

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