Continuamos

Sossegados na praia, levamos com a primeira onda. Incrédulos, sem nada entender, somos arrastados, puxados para o fundo. Mergulhamos, apáticos, a-nes-te-siados, qui-e-tinhos, sem piar. Amordaçados, aguardamos que a tempestade passe, que ao menos nos expliquem porque estamos ali, que mal fizemos, para onde nos levam. Simplesmente, dizem-nos que assim tem de ser, que nos aguentemos à bronca, que tentemos nos manter à tona de água, caladinhos. Assim fazemos; aguentamos suspensos na imponderável e efémera incerteza, na certeza que há quem esteja rezando por nós. Nova vaga, ondas altas levam-nos mais para baixo, empurram-nos para um túnel subterrâneo, para mais uma passagem, para um mundo ensurdecedor onde seres ocultos observam o nosso interior, nos analisam duma ponta à outra. Em segredo decidem que não é suficiente, que a uma última prova teremos que nos submeter. Chamam os peixes-agulha e as micro-piranhas. Sem anjo, por perto, que nos acuda, aguentamos as picadas, o arrancar da carne, mais esta provação. Completamente zonzos entregamos-nos nas mãos do Senhor dos Passos, ao calor da mão que nos acompanha, a uma esperança que nos faz acreditar que tudo irá acabar. Por fim, somos despejados na mesma praia donde partimos, doridos, atordoados, sem perceber o que nos aconteceu, porque fomos violentados daquele modo, qual o nosso pecado, ainda não acreditando que tudo acabou, continuando sem saber onde estivemos nos últimos meses. Com um sorriso amarelo, apertam-nos a mão; dão-nos os parabéns. Desta feita safámos-nos; o longo instante acabou. Sentimos o peso a sai-nos de cima, saltamos da corda bamba para um chão mais firme, mergulhamos num sono profundo, um dormir de criança, como já não tínhamos faz muito. O Natal pode, finalmente, começar.

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