Lá, no destino

Não planeámos; não poderíamos antecipar. Para tal era preciso saber que existia, que essa possibilidade havia, que tal poderia fazer parte do futuro, daquilo que nos estava reservado acontecer. Na verdade, sem o saber, ajudámos o destino, o indelével correr dos dias, a fortuna.
A gare aérea tornou-se familiar. À nossa volta uma massa de gente dormente olha os pequenos écrans, aguarda. O dia está a nascer, o avião descolará em breve. Lá, no destino, ele estará à nossa espera, ela juntar-se-á um pouco depois, numa inversão que já antes tínhamos sentido, que passou a normal. Percebemos que, naturalmente, a vida trilha novos rumos, os portos ganham distintos significados, acolhemos o destino, sem surpresa, como se sempre tivesse sido nosso, como outro não pudesse ser. Estamos na Páscoa: quando a esperança vence a morte e o inevitável destino fica mais fácil de aceitar, simplesmente acontece, maravilha-nos. Na verdade, doutro modo não gostaríamos que fosse.
Foi fácil, acenou: primeiro reencontro, primeiros abraços. Umas voltas mais, um comboio que chega do norte e ela também passa a estar. O intervalo acabou na ínfima fracção do cruzar dos olhares, do contacto, dos beijos, do sentir; a conversa continuou onde algures tinha sido interrompida, no mesmo ponto de sintonia, na frase que nunca está acabada. Observamos a continuidade daquilo que somos, que sempre seremos. Percebemos então que não é um reencontro, que não existe lugar à nostalgia, é, simplesmente, a alegria do encontro, do estarmos juntos numa nova paragem, o prazer de sermos levados por ele, a confirmação que o comboio continua nos carris, que a linha é redonda mas nunca passa pelos mesmo lugares, às mesmas horas, que a surpresa está sempre presente, que nunca deixaremos de nos espantar, de ficarmos boquiabertos com o correr dos dias, com a vida; nunca deixaremos de sorrir com o sorriso dela, com o que ele nos ensina. Estão diferentes, sendo, precisamente, os mesmos.
Temos tempo, talvez como nunca tivémos; percorremos devagar os lugares, provamos as múltiplas cevadas levedadas, os sabores daqui, os cheiros, o frio temperado com fugazes raios de sol. Estamos por conta dele; este é o seu território; por uma vez não precisamos ter plano, preocupar-nos; basta-nos ir, seguros que estamos em boas mãos, saboreando, em paz.
O cinzento contrasta com a luz que deixámos para trás. A babilónia cerca-nos, estranhamos a normalidade: aqui a Europa existe; temos o mundo num só lugar. Vamos aqui e ali, palmilhamos as ruas, ficamos a conhecer novos espaços. Chove, é o normal por estas bandas; há-de parar; o sol aparece a medo; temos tido sorte, com o tempo (e com algumas coisas mais). Aprendemos com eles novas formas de estar, de olhar a vida, de usufruir do espaço. O lugar é indiferente, desde que estejamos. Matámos saudades de passear juntos, sem destino, somente para estarmos perto até que o avião nos afaste um pouco novamente.

Comentários