Às avessas

Primeiro estranha-se, depois um pouco menos. Habituamo-nos (mal) à ausência, ao não estar, ao bom dia via mensagem, ao não ver, não cheirar, não tocar, não conversar sobre o mundo que nos rodeia. A presente ausência passa a ser a norma, o novo padrão; apercebemos que assim será, daqui para diante.
Para o fresco norte voou quando o tempo, por aqui, começou a mudar, a aquecer. Por lá ficará mesmo quando arrefecer, quando o inverno voltar, quando as noites tomarem os dias. E assim será por muitas rotações do planeta.
Veio para um breve reencontro, um instante, numa inversão dos destinos, do ponto de partida com o de chegada. Pela primeira vez aqui veio para lá regressar. Está tudo às avessas, os extremos inverteram-se, quais pólos magnéticos terrestres em progressão rápida do seu inevitável destino - o norte passar a sul; o sul ser o novo norte.
A culpa dizem que é nossa, que não lhes tivéssemos invertido as aprendizagens, que tivéssemos seguido o norte, a direcção normal. Talvez hoje fossem uma inversão daquilo que deveriam ter sido, daquilo que são. Talvez não estivessem nesta doce inversão. Por certo a inquietude seria outra, a alegria não sabemos, como poderemos adivinhar.
Os papéis começam a inverter-se: menos precisam do nosso cuidar, não menos da nossa atenção. Abençoados fomos. Somos nós que, inversamente, sentimos a ausência do seu olhar, cheiro, tocar, conversar. Ela foi para Sul, daqui a pouco aqui estará, para logo depois partir; ele volta para terras do norte, para o seu novo lugar. Nós por cá ficamos bem, assimilando este novo viver.

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