Cuidar

A princípio é simples: diz a canção; simplesmente acontece; algo toma conta de nós, assegura que estamos ali, no momento certo. Só temos que ir na onda, seguirmos a maré: tudo é perfeito. Nem sequer queremos saber o que nos levou ali: um toque, uma palavra, talvez um sorriso, com certeza um olhar, porventura um perfume, um cheiro. E queremos partilhar aquela alegria, os nossos olhos brilhantes, o falar sem falar. Sorrir da pontinha de inveja que sentimos nos outros. Estamos pela primeira vez sós, no meio dos outros, mergulhados, juntos, felizes. E juramos que é para a vida, num querer profundo, no máximo da nossa honestidade, na mais doce das incertezas. E o toque torna-se fusão, a mais bela das uniões. Desta nascem novos futuros, pequenas criaturas que temos que cuidar: novos instantes iniciadores; renascimento.
E então complicamos. As inúmeras coisas que temos para fazer, ocupam-nos, levam-nos o tempo, quebram a atenção. Não é fácil: o pecado mora ao lado, sempre tentador; os inexistentes defeitos emergem; parece fácil desistir. Na verdade basta cuidar. Quando finalmente o redescobrimos, acordamos felizes porque o outro ainda ali está, porque podemos, uma vez mais, sentir o seu calor, o toque da sua mão, o seu cheiro. Procuramos o telescópio que nos permita vislumbrar, uma vez mais, aquele instante, a origem do nosso universo, o sublime momento em que tudo começou. Talvez nunca o encontremos, não importa, melhor não o sabermos, basta acreditar que existiu, que existimos.
E num longo ápice, dez, vinte ou mais anos passaram, muitos outros poderão passar, desde que aquele instante iniciador se mantenha, desde que continuemos a cuidar que não se apague.

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