Quando eu for irmão
"Quando eu for irmão": nunca o disse; talvez, alguma vez, o tenha pensado; com certeza não teve oportunidade de o desejar. Não lhe foi permitido; quando nasceu, já o era - irmão -, de vários, irmãos e irmãs, de alguns que só depois o seriam. Não se lembra da mãe grávida, não se lembra de esperar ser irmão de mais uma, de mais um - mas esperou. Para ele sempre o foram; sempre se lembra de todos, enchendo a casa. Só tem memória de todos nascidos, de todos existirem. E todos, quer dizer, muitos, diferentes, iguais, todos. Todos aqueles que estão nos super 8, guardados para sempre; todos aqueles com quem brigou (que belas brigas!), com quem brincou à apanhada, às escondidas, com quem, simplesmente, se sentou, lado a lado, no banco do jardim, na entrada de casa, com quem brincou e alguma vez terá chorado.
Os mais velhos terão, algum dia, desejado ser irmão, ser irmã, dalguns deles, dele próprio. Terão perguntado por ele enquanto estava no ventre materno. Talvez tenham encostado a cara à redonda barriga, para o escutar uma primeira vez, enquanto a mãe lhes acariciava o suave cabelo; talvez se tenham deliciado, sorrido, apontado, dizendo "mexeu-se", enquanto ele, lá dentro, se contorcia, invisível, qual ser extraterrestre.
Nestes casos, a negação - quando irmão eu não for - não se pode conjugar: quando o somos é permanente, para a eternidade, aconteça o que acontecer. É como ser pai, mãe ou filho - é-se e mais nada. São relações booleanas, simples, só admitem dois estados - ser ou não ser (e neste caso, não é uma questão colocada por um notável escritor, numa conhecida peça teatral). Podem estar mais perto ou viverem longe, ser mais cúmplices ou quase desconhecidos, partilharem a vida ou somente, a espaços, saberem uns dos outros. Quando o são, é para sempre; anos mais tarde, os netos, sempre dirão: "o irmão do avô, a irmã da avó". A história sempre os lembrará como irmãos, irmãs, como seres ligados por um finíssimo fio, inquebrável, mesmos que as pontas estejam longe, mesmo que o novelo seja tão comprido que ligue a terra ao céu, ao infinito.
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