Lembras-te?
Pega nas
palavras, como pegou na sua princesa, naquele precioso instante, duas décadas
atrás. Sente-as da mesma forma com cheirou o sangue - misto de terra, doce,
ferrugem - que emanava daquele pequeno corpo acabado de nascer. Tenta traduzir
em palavras o que lhe ficou gravado: indelével, permanente, bem lá no fundo da
sua memória. Não larga as palavras, como não abandonou a vigília naquela boa
hora. Disseram-lhe que podia ir; que ia demorar; que fosse ligando para saber
as noticias. Isso era para novatos; à segunda não se deixou enganar. Ficou,
esperou. O duro banco foi o seu amparo; as altas paredes verdes, o seu ninho;
esperou o que teve que esperar; olhou pela janela as vezes que foi preciso;
teve esperança que a porta abrisse. Finalmente chamaram.
- O pai?
Sim, era ele. Sim
eram elas: mãe e filha esperando por ele. Sim, aquele era o momento a guardar
para sempre. E levitou; gravou, bem no seu interior, toda aquela emoção, vida,
instante, beleza, arrepio.
- Lembras-te?
Como poderia
esquecer-se. E por um momento, procura sintetizar, destilar, traduzir o néctar
daquelas sensações. Reconstrói os segundos, sente o eco de tudo aquilo.
Para de escrever;
olha em frente e nada vê: somente vida; beleza; futuro.
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