Orgulhosos protectores

Adiante, ele veio, em busca do reencontro há muito esperado. Nós, só depois aqui chegámos e antes nos iremos. Apareceram, os dois, à hora marcada: já não é só um; ficámos a conhecer a sua outra metade, e foi bom. Foi mais um reencontro que um encontro: é gente da nossa praia (pensar em praia, no meio do tipico clima britânico, tem a sua piada), e tenho a indelével certeza de nos termos cruzado antes, do conhecer ter vindo antes do encontrar. Ela sorri, brinca, agradece as pequenas lembranças. Ele procura a nossa (certa) aprovação. Estão nervosos - mais ele que ela: é um dia marcante para ambos; é um momento de orgulho para nós.
Tudo começou, faz 30 anos, naquele dia. Para eles, também houve um naquele dia, algures no ano passado. Agora celebram a graduação, juntos - agarrados a todos os amigos daqui, do mundo.
Foi bonita a cerimónia: tipicamente inglêsa; tal e qual como vimos dezenas nos filmes; estranhamente familiar; calorosa. Emocionei-me; emocionámo-nos. Eram centenas, de todo o mundo, de todas as raças, credos, cores, formas, alturas, vestes e costumes. Todos comunhando da alegria deste momento: um ritual de passagem; um instante de felicidade partilhada. Realizamos que, na verdade da vida, somos todos, simplesmente, humanos; somos todos, igualmente, pais, irmãos, avós, tios, primos e amigos, orgulhosos protectores dos nossos, de todos eles.
Apresenta-nos os amigos: tantos quantas as nacionalidades; o grego ri-se, diz que somos irmãos na luta. Vão todos almoçar juntos; despedimo-nos com a certeza que está feliz, livre e que continuará a ser nosso, um pouco mais adiante, para sempre.
Hoje somos nós: eles estão cansados; talvez mais logo ao jantar. Apanhamos um de dois andares e os verdes campos viajam por nós. O raro sol aquece as terras de Shakespeare; somos uns sortudos. Estivémos na casa onde nasceu, estamos no teatro, vamos curvar-nos diante da sua sepultura. Chove ou não chove, eis a questão; continuar ou partir é o nosso dilema. Sem aviso, o sol foge dos trovões; do céu caiem pedras geladas; todo o nosso corpo encolhe, reflecte a falta de hábito. Foi só um instante; iniciámos a fuga mas voltámos para cumprir o nosso trajecto. Entretanto, a capela fechou; foi do lado de fora que prestámos homenagem mas não sem antes termos visitado as casas onde, centenas de anos antes, alucinou com as suas personagens. Junto ao rio, o nosso corpo protesta, a nossa alma enche-se de verde, saboreamos o silêncio; chapinhamos na lama.
Jantamos juntos, unindo Victor Hugo a Camões, através da língua de Shakespeare. Falamos de tudo e de nada, criamos elos, revelamos pequenas histórias: ela diverte-se com os detalhes que não viveu. Sou atingido pela paz da obra feita, duma etapa alcançada, da frescura dum novo caminho.
Hoje, uma mesa volta a unir-nos, bem antes de partirmos. Ficam entregues um ao outro; vamos em paz sabendo que ficam bem.

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