Habituamo-nos
Habituamo-nos: uma ova, que nos habituamos; jamais nos acostumamos. Queremos que se mantenham aqui, junto de nós, vigiados, protegidos. Que mania é esta de serem crescidos, autónomos? Deixem-se disso! Precisam da nossa protecção, de estarmos sempre atentos: que lhes aparemos a queda quando estão prestes a estatelar-se; que os ajudemos a sarar as feridas. Como farão tudo isto (e muito mais), sem nós?
Sentimos a falta das suas ausências quando presentes: do silêncio sabendo que estão ali, a poucos metros, atrás duma porta; dos seus pequenos dramas; do seu desprendimento; do seu sorriso fugaz.
Convencemo-nos que é somente um patamar, um compasso de espera, um hiato entre o que já foi e o que ainda não é. Ansiamos por uma nova fase, por uma nova forma de estarmos juntos. Dizem-nos para continuar, que já nos apanham mais à frente; acreditamos. Ficamos para ali, sentados, sem graça, sem saber bem o que fazer; sentimo-nos jogados borda fora. Esperamos, sentados numa gare que não conhecemos, aguardando o comboio que não sabemos quando virá. Sentimos o peso do vazio: e agora falamos sobre o quê? Ficamos ali, sentados, num banco de madeira, numa plataforma junto a uma porta duma estação. Ombro com ombro, penteadinhos, joelhos direitos, a calça vincada, a saia abaixo do joelho, o olhar nos campos do outro lado da linha: esperando. Onde fica esta estação? Que apeadeiro é este? Quando virão?
Deixemos os excessos melodramáticos: habituamo-nos e ponto final. Substituímos a falta imensa que nos fazem, pelo orgulho de os ver voar, lindos, de asas bem abertas - hesitantes, num primeiro momento; bem confiantes depois.
Sabem que estamos aqui; vamos sabendo que estão bem. Ver-nos-emos amanhã; vêem, para depois, certamente, partirem.
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