(Excerto de algo maior que não existe)

Lembrou-se do verão e daquela curva - perto da Raposeira, a caminho de Sagres - onde se tem um primeiro vislumbre da Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe. Ali tinha Henrique se recolhido, em oração; ali era lugar de adoração de sua avó, companheira de infância - a primeira a partir, com a qual tinha tido um primeiro contacto com o vazio, com a perda.
Talvez fosse o momento de viajar até lá, de pedir protecção divina, de comprar ingresso na barca, de pedir visto de entrada na eternidade, de ir ao encontro de todos aqueles que lhe fazem uma falta do caraças.
Também ali, Henrique - Infante das descobertas; um tipo perfeito para a época - tinha pedido protecção para as suas loucuras, para a sua visão de eternidade, para o mergulhar no infinito desconhecido: cabelo escuro, chapéu largo - qual turbante árabe -, de porte altivo; um louco saudável, um visionário pragmático.
Ali não havia laranjeiras; os cheiros eram outros: doces, figos e alfarrobas. Ali as flores das amendoeiras, com a sua neve, tinham ajudado a secar lágrimas de princesas tristes, vindas do norte. O local perfeito para embarcar, cheirar as últimas flores e passar pela última curva na estrada.

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