Bens intangiveis

Aos quinze dias passados do mês de Março do ano de Nosso Senhor de dois mil e treze - mesmo antes dele estar mas já sentido o aperto da sua partida - começo a escrever estas palavras: nestes momentos sou empurrado para a escrita. Sabemos que vem e que logo irá; os sentidos invertem-se: sentimos que nos vem visitar, em vez de regressar; pertence a outro lugar, pertencendo sempre a este; vem cá, sabendo que pouco depois regressará ao lugar a que agora pertence.
O nosso menino chegou; chegou e conta-nos, logo, sobre o que quer levar para os seus amigos - que estão lá. Em casa, na cozinha, conversamos enquanto come: sabe-me tão bem estar com ele; estar não é o mesmo que falar por skype: o cheiro, o gesto, a troca de olhares, o partilhar o mesmo ar, acrescentam outras dimensões ao estar. Tenho dificuldade em concentrar-me na conversa: interrogo-me constantemente sobre quem está ali; reconheço-o nas pequenas coisas - na forma como corta o pão; no jornal aberto ao lado do prato - mas, nas outras, sinto-me como um navegador, numa pequena caravela, descobrindo novas terras, novos mundos.
Saimos os quatro - já não o faziamos desde o Natal. Vamos à Baixa, à Suiça, ao Saudade; fazemos o caminho dos parvos - tanta vezes o fizémos antes - entre Sintra e Cascais: por instantes voltamos aos momentos em que, percorrendo esta mesma paisagem, finalmente adormeciam. Agora, já não adormecem; partilham o gosto de estarem juntos; falam sobre economia, sobre conceitos variados; procuram pontos comuns naquilo que fazem.
Falamos sobre tudo e sobre nada: conta-nos sobre a sua vida lá, sobre com quem partilha o espaço e o tempo, sobre os trabalhos que tem em mãos, sobre as diferenças entre cá e lá. Brincamos; a nossa menina - feliz por ter o irmão - diz que somos todos adultos, fala sobre bens tangiveis e intangiveis: não os reconheço, conhecendo-os.
As saudades - o matar delas - estendem-se à Luna: procura-o; cheira-o; enrosca-se nele; abana a cauda; pede-lhe mimos: está feliz - estamos felizes.
Veio; esteve um instante; soube a pouco, soube a muito; gostou de cá estar - partiu. Habitua-mo-nos - o que havemos de fazer? - a não o ter por perto; a saber que ele está feliz - algures, longe; sempre junto de nós. Partiu novamente para o seu futuro.

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