Sós com a Luna

E ficámos sós. Dito assim, fica bem dramático, é próprio do inicio dum novo texto, cria o ambiente apropriado, chama a atenção do leitor. Na verdade estamos os dois e a Luna, a nossa gata. Ele está em terras de sua majestade britânica, extasiado com tudo o lhe acontece, com os colegas de várias nacionalidades, com os professores, com a quantidade de coisas que tem para ler e com o que já tem que produzir. Ela foi divertir-se com amigos e dormiu fora. Sente-se um silêncio diferente na casa, apesar de não ser assim tão diferente do habitual, num feriado. É mais uma sensação sintetizada pela nossa mente por sabermos que temos os dois príncipes longe daqui. O silêncio é somente interrompido pelos sons que vêm da rua e pelos miados repetitivos da Luna pedindo comida e atenção.
O frigorifico está vazio, resultado de duas semanas em que estivemos ocupados com outros assuntos, temos que ir às compras, pretexto para temos uma preocupação, para nos preencher o tempo e contrariar a vontade que temos de, simplesmente, não fazer nada, aproveitar esta calma e recuperar forças para a próxima semana. Aguardo que a Maria João esteja pronta, como sempre prolonga a leitura do jornal e a toma, calma, do café da manhã. Durante uns tempos o cheiro e as borras do café do Manuel, feito numa pequena cafeteira italiana, inundam outra casa e deliciam outras narinas, lá longe, em terras dos nossos antigos aliados. O café e a cevada instantâneos não têm o mesmo encanto, o mesmo charme, não se tornam donos da casa, limitam-se a acariciar o nosso olfacto e o palato quando aproximamos a caneca da cara. Sabem maravilhosamente com o pão fresco e esta calma. Melhor só os pequenos almoços nos hotéis. Sabe bem levantarmos-nos e, como à uns anos em Veneza, ter uma mesa bonita e um mundo de coisas deliciosas à nossa espera. Agora contento-me com menos mas houve tempos em não prescindia dos ovos mexidos, do bacon, dos queijos, fiambres, pão, bolinhos, sumo, frutas e compotas. Comemos sempre mais, com outra calma e com redobrado prazer, uma delicia.
Espreguisamo-nos, incentivo-a a despachar-se mas sem grande convicção, preciso ir apanhar ar e libertar esta indolência, esta tendência para afastar o esforço, esta inércia matinal. Já presinto sinais que partiremos em breve mas ainda existem alguns obstáculos a superar, está a consultar o correio, a ver a actividade recente no facebook, a procurar os sacos e as carteiras. Por fim saímos, está um dia bonito de transição entre o verão, que acabou, e o outono que ainda agora começou. Voltamos ao Café Saudade, voltamos a Sintra, a estes locais encantados que nos têm atraído ultimamente. Estamos rodeados de turistas que desfrutam da calma e da beleza deste local. Ficamos por aqui mais um pouco antes de voltarmos, reconfortados, para os nossos afazeres.

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