Lenço de Namorados


Nunca precisaram de o dizer ou escrever. As palavras nunca foram importantes. Sentem, sabem e isso sempre foi suficiente. Basta uma ligeira troca de olhares, um sorriso, um ligeiro toque, para comunicarem, para saberem que estão a pensar no mesmo. Nunca precisaram que lhes dissessem que era para o bom e para o mau, na saúde e na doença, até que algo muito forte os separe. Sempre assumiram que era assim, sem o dizerem. Como poderia ser doutro modo? Sempre tiveram consciência que a vida partilhada não é fácil, não é um dado adquirido. É preciso lutar por ela todos os dias e colocar o focos no bom e esquecer o menos bom - assumido que mau não existe.
Dalguma forma complementam-se. Ela ocupa o espaço e a acção. Ele é de ficar mais no seu canto, fazendo o que tem a fazer, actuando sem que faça grande alarido disso. Ela tem paixão naquilo que faz e vive intensamente essa paixão. Ele, sempre curioso,encontra prazer nas opções que a vida lhe vai oferecendo. Ela está sempre bem, mesmo que não esteja. Quando está mal, está mesmo mal, mas é sempre mal de pouca dura. Não pode estar mal porque só os outros podem e ela está neste mundo para os ajudar, para cuidar deles. Ele, pelo contrário, sempre na brincadeira mas também sempre sério, faz um esforço para estar bem. Precisa de atenção, precisa dela, que ela lhe dê para trás e o obrigue a seguir em frente. 
Começaram, quase por acaso, por trocar olhares. Depois, sem que nada fosse pensado, começaram a conversar e a lanchar juntos, na Riviera, junto ao Jardim Zoológico. Foram-se conhecendo, sem pressas e sem truques. Falavam, partilhavam cumplicidades, conheciam-se. Gostavam de estar um com o outro. Cedo descobriram que algo os unia. Nunca precisaram de o dizer. Nunca precisaram duma resposta, sempre souberam qual era e isso sempre lhes bastou. Depois veio o primeiro beijo - iniciativa dela dado que ele jamais conseguiria ter coragem para tal acto, por muito que o desejasse. Na manhã seguinte a incerteza dela e então foi ele que teve que tomar as rédeas e dar-lhe a mão. Nunca mais se separaram. Hoje, quando estão aninhados, quando dão as mãos, voltam, mesmo que inconscientemente, nem que seja por um inf(t)ima fracção, a esta maravilhosa idade da inocência, a este momento. 
Namoraram o que tiveram que namorar, na Graça, na Gulbenkian, por Lisboa, e um dia decidiram, sem grandes falas ou planos, que era chegado o momento de partilharem o mesmo espaço, os sonhos, a vida. Compraram casa, casaram e logo quiseram aumentar a prol. Veio o príncipe e depois a princesa, sem planos muito elaborados, bastou o querer e pouco mais. Foi, sem muitas palavras, o que decidiram seria a sua vida. Gostam dos seus príncipes sem qualquer "mas" ou "excepto". A sua educação e formação passou a ser uma das suas prioridades. Cedo perceberam que essa era a melhor herança que lhes podiam deixar. Procuram dar-lhes asas fortes, que lhes permitam voar de forma segura e autónoma. Agora, custa-lhes vê-los começarem a partir, a levantarem voo sozinhos, mas anseiam que este pequeno núcleo cresça em novas pernadas, floresça, mantendo laços fortes com o ninho, alimentando o sonho de família que ambos partilham. Cedo quiseram que os príncipes conhecessem o mundo. Escolheram o Liceu Francês onde, orgulhosamente, se tornaram poliglotas e cidadãos do mundo. Passearam, em família, por Portugal e pela Europa, juntos e sempre, como bons latinos, entre a tensão e o divertimento. Como em todas as famílias a sério, quase nunca sintonizados no mesmo desejo mas sempre em conjunto e em comunhão. Estão longe de ser perfeitos e talvez seja ai mesmo que esteja o segredo. Esperam que os filhos vejam neles algo inspirador assim com eles viram nos seus pais e avós - que também estavam longe de serem perfeitos. 
Agora, uma nova fase, o descobrir, tacteado, do prazer de estarem novamente a dois. Sobre que conversar? Os filhos, antes, sempre presentes. E agora? Como disse Pessoa, a principio estranha-se, falta-lhes algo, depois começa a entranhar-se e finalmente recomeçam a gostar desses momentos a dois, de passear, a dois, mão na mão. O destino tens-lhes dificultado esta passagem, por isso, namoram pouco, menos que o quereriam ou, talvez, deveriam. Sem dramas. Talvez por isso, quando o fazem, tenha sempre o sabor da descoberta. Mantêm aquela ligação invisível que lhes permite comunicar, sem dizerem uma palavra, através dalguma energia desconhecida da ciência mas, com certeza, do conhecimento dos Deuses. Falam pouco, menos do que o deviam, mas o suficiente para manter o elo apertado e os sonhos vivos. Sonham com o Lugar da Casa, o refúgio para os anos que vêem, para a família, que crescerá, e para os amigos. 
Estão mais velhos. Mudaram mas no essencial são os mesmos. Por vezes dizem as palavras erradas, as palavras que não queriam dizer. Nem sempre é fácil, irritam-se, amuam. Umas vezes dizem o que não queriam dizer. Outras calam as palavras que deveriam ser ditas. Depois não aguentam, basta um pequeno gesto, um beijo, poucas palavras e voltam. Questionam-se porque continuam juntos quando outros à sua volta escolhem outras opções. Talvez seja, como diz Daniel Sampaio, porque mantêm o compromisso, o interesse pelo outro e a capacidade de partilha ou, talvez, porque, ao fim de quase 30 anos deste namoro – na verdade pouco mais que umas centésimas de segundo - ela ainda pergunte: "estás a brincar?" e ele, malandro, ainda responde: "sim". Como poderia ser doutro modo?

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